quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A ilusão da Confiança


A ilusão da Confiança

Autor: Lorenzo Parodi

A razão pela qual muitas fraudes ocorrem em pequenas e médias empresas.

             É comum encontrar, sobretudo em pequenas e médias empresas, a figura da pessoa “de confiança” juntamente com a posição ou cargo “de confiança”. Se trata freqüentemente de posições nas áreas administrativa, financeira e de direção de negócios em geral.
As pessoas “de confiança” são normalmente executivos ou gerentes que trabalham na empresa há muitos anos, e por isso acompanharam seu crescimento e evolução, que conhecem profundamente a história e a operação da empresa e por isso tem uma visão global do negócio e acumularam competências e capacidades dificilmente substituíveis.
             Bastante freqüente, ainda, sobretudo em empresas de pequeno porte, a existência de laços de amizade, quando não parentesco, entre os donos e as pessoas de confiança.
As pessoas de confiança tem, normalmente, a capacidade de, sozinhas, contratar serviços, selecionar fornecedores, decidir sobre compras, realizar ou autorizar pagamentos, selecionar funcionários, negociar condições comerciais com clientes, cuidar das escriturações contábeis, cuidar das folhas de pagamento, administrar o estoque etc...
             A concentração de funções e de poder de decisão é notoriamente um ponto de risco relevante para qualquer empresa. Uma das primeiras medidas adotadas na revisão de processos visando reduzir riscos de fraudes internas é justamente a divisão do poder de decisão e a eliminação de situações de concentração de funções. Em estruturas relativamente pequenas, tal situação é, porém, algo dificilmente evitável, justamente em função dos limitados recursos de tais estruturas.
Aparece, nestes casos, o conceito de “confiança” que, supostamente, resolveria os problemas e riscos, inerentes a concentração de funções, através da existência de algum tipo de relacionamento e pacto implícito entre os donos da empresa e as pessoas ungidas por tal confiança.
Infelizmente não é assim que funciona a realidade da vida empresarial.
Ao longo de anos de atividade no setor de combate a fraude me deparei com inúmeros casos de fraudes organizadas e realizadas por pessoas “de confiança” (inclusive parentes próximos), durante longos períodos, e bem debaixo do nariz dos donos da empresa. Poderia até chegar a dizer que, em termos gerais, é um dos casos de fraude mais comuns, em se tratando de empresa de pequeno e médio porte. A posição privilegiada, o profundo conhecimento da empresa e a proximidade pessoal com o dono da empresa propiciam inúmeras oportunidades de fraude que, na ausência de maiores controles, podem ser realizadas livremente e quase sem riscos.
               É justamente a ausência de controles, o ponto mais crítico, de maior importância e que deve ser enfrentado com determinação e seriedade.
Se por um lado é verdade que, nas pequenas e médias estruturas, a concentração de funções e poder de decisão é, às vezes, um mal inevitável, por outro lado não há nenhuma razão para que, em tal situação, não sejam implantados e realizados processos de controle, monitoramento e auditoria, tanto sistemáticos quanto aleatórios. A idéia de que, ao controlar o trabalho das pessoas de “confiança”, se criaria um ambiente de desconfiança e suspeita, é desprovida de qualquer fundamento. É fato que, quem não deve, não teme e não se sente minimamente incomodado em ser fiscalizado, pelo contrario considera isso uma excelente oportunidade para demonstrar seu bom desempenho e suas realizações.
Nenhum controle ou fiscalização limita a capacidade e possibilidade de alguém fazer coisas boas e corretas. Pelo contrario limita sensivelmente a possibilidade de fazer coisas erradas.
Somente uma pessoa “de confiança”, com intenção de por em prática algum tipo de desvio de conduta, se sente naturalmente ameaçada e limitada pela existência ou implantação de processos de controle e auditoria.
                O argumento do custo, as vezes percebido como “inútil”, de tais controles não se sustenta. Vários estudos indicam que a média transversal de fraudes internas, independente do setor econômico e do porte da empresa, representa algo na casa de 7% do faturamento bruto.
Sendo simplista, mas ao mesmo tempo pragmático, e considerando uma media de 5% de fraudes (em vez do 7% acima) em uma empresa com faturamento anual de 50 milhões de reais, conseguir reduzir este percentual de fraudes pela metade, através da implantação de apropriados processos de controle e fiscalização, representaria um maior lucro de 1,25 milhões de reais por ano. Com certeza o custo de implantação e manutenção de tais controles seria relativamente modesto numa estrutura pequena como a de uma empresa com o faturamento considerado acima. Sem dúvidas bem inferior ao lucro médio potencial e, portanto, bastante compensador.
Porque então os empresários não costumam seguir este caminho ?
A razão disso reside provavelmente na ilusão da confiança, ou seja na ilusão que problemas desta natureza possam ser resolvidos de forma confiável e eficaz somente através da criação e exploração de uma relação de confiança com determinadas pessoas chaves.
               O problema é justamente que os fraudadores também exploram a criação de uma relação de confiança com as potenciais vítimas. Esta é, alias, uma das técnicas mais usadas em geral por parte de fraudadores de todos os tipos.
A grande maioria dos golpes, populares e não,se baseia justamente na exploração de uma relação de confiança que é criada pelo fraudadores através de alguma artimanha e que faz com que a vítima se sinta segura e confiante quanto ao risco de sofrer perdas.
              Conceitualmente não é nada diferente da situação interna a empresa que descrevemos acima. A pessoa de confiança explora este seu status (que pode ter planejado alcançar ou que simplesmente lhe foi concedido graciosamente), juntamente com a ausência de controles, para por em prática fraudes que, provavelmente, não poderia realizar em outras situações e sem tanta liberalidade.

Por estas razões é muito importante que os empresários reflitam sobre as próprias realidades, sobre os cargos ou pessoas “de confiança” que existem em suas empresas, e passem a encarar o estabelecimento de processos de controle e fiscalização como uma necessidade inadiável, de fundamental importância e grande repercussão no negócio, e não como uma opção para quando sobrar tempo ou dinheiro pra gastar em coisas supérfluas.

Fonte:http://www.fraudes.org/showartigo.asp?Cd=10

Nenhum comentário:

Postar um comentário